As
políticas focais como estratégia de intensificação e precarização do trabalho
nos Institutos Federais
Lícia
Cristina Araújo da Hora
Ofertas
formativas diferenciadas para os novos desvalidos da sorte do século XXI
A marca da visão
produtivista da educação, dualista e fragmentária, atravessou o século XIX no
Brasil e chega à segunda década do século XXI sob a roupagem da democratização
do acesso a rede federal de educação profissional, técnica e tecnológica por
meio de uma multiplicidade de ofertas educativas em diferentes formatos e
níveis de qualidades educacionais. A atuação das políticas públicas, conjugadas
dentro da compreensão de Mead (1995) significa uma ação focal de um governo que
irá produzir um efeito específico. A partir desta concepção, sem aprofundar o
debate mais amplo sobre o que significa políticas públicas, é possível realizar
a analogia de que as atuais ações educacionais para formação profissional da
classe trabalhadora possui em seu bojo um caráter assistencialista da educação
profissional que nos remete do ponto de vista histórico ao atendimento dos
meninos pobres e desvalidos da sorte do Brasil no início do século XIX,
traduzindo para o cenário atual, podemos conjecturar que as atuais políticas de
qualificação profissional reatualizam ações focais para os novos desvalidos da
sorte do século XXI (RUMMERT, 2005).
Segundo Rummert, Algebaile e Ventura (2012) a
variação de ofertas educacionais em formas desiguais e combinadas produz uma
miríade de ofertas de elevação de escolaridade/formação
profissional/certificação que fortalecem as ações da pedagogia do
capital-imperialismo por meio da “fantasia de que a efetiva democracia chegou à
educação escolar”. Caracterizadas e divididas entre os mais diversos programas,
sejam de qualificação/escolarização social, a diversidade de ofertas formativas
produz vias subordinadas de acesso à escola conforme as classes sociais.
A marca fundamental da dualidade estrutural de novo
tipo é a produção de uma multiplicidade de oportunidades formativas, porém de
forma subordinada, garantindo o acesso
pelos fundos a um tipo de ensino aos trabalhadores, e o acesso pela frente ao ensino socialmente referenciado a um
público distinto de aluno.
Para as autoras a dualidade estrutural de novo tipo
organiza-se em três grandes grupos que compõem uma variada forma de oferta
educacional, da qual se destaca: o 1º grupo diz respeito a programas dirigidos
à ampliação do ingresso, reinserção, permanência e conclusão da escolarização
regular obrigatória; o 2º conjunto de programas refere-se a cursos e programas
dirigidos à ampliação da escolaridade de jovens e adultos e; finalmente o 3º
agrupamento é constituído por programas de financiamento educacional que vem
influenciando significativamente na expansão de vagas e na multiplicidade de
vias formativas no Ensino Médio, na educação profissional e no Ensino Superior.
Esta análise encontra-se exposta no quadro a seguir em que se expressa a
diversidade de ofertas formativas do Instituto Federal do Maranhão:
Quadro 1 - Diversidade de ofertas
formativas para os trabalhadores no IFMA
PROGRAMAS
|
PARCERIAS[1]
|
PÚBLICO ALVO
|
Mulheres Mil
|
SETEC/MEC,IFs, Canadá
|
Mulheres de baixa renda,
vulneráveis socialmente e de baixo nível de escolaridade; moradoras de
comunidades integrantes dos Territórios da Cidadania e/ou com baixo índice de
desenvolvimento humano.
|
PFRH
|
Petrobrás
|
Jovens e adultos para atuarem na
Indústria de Petróleo, Gás, Energia e Biocombustível.
|
PFP
|
Vale
|
Jovens e adultos que procuram
carreira técnica e desejam trabalhar nas áreas operacionais.
|
PROMIMP
|
Petrobrás
|
|
PRONATEC
|
MEC, Ifs
|
Jovens e adultos entre 16 e 59 anos
cadastrados em situação de extrema pobreza ou beneficiários do Bolsa Família
e do BPC[2].
|
PROCAMPO
|
SECADI/MEC
|
Educadores que atuam na educação
básica do campo e que não possuem formação de nível superior em Licenciatura Plena.
|
Programa Saberes da Terra – Brasil
Alfabetizado
|
SECADI/MEC
|
Educadores de educação básica;
educadores de qualificação profissional
|
PROEJA
|
SETEC/MEC
|
Egressos do ensino fundamental.
|
PROEJA – FIC
|
SETEC/MEC
|
Egressos do Sistema Prisional de
São Luís-MA
|
Projeto de Formação Continuada
PROJOVEM Campo/Saberes da Terra
|
SECADI/MEC
|
Educadores de educação básica;
educadores de qualificação coordenadores de turma que atuarão no Projovem
Campo no estado do Maranhão.
|
E-TEC Brasil
|
SETEC/MEC
|
Egressos do ensino fundamental.
|
UAB
|
SESU/MEC
|
Egresso do ensino médio.
|
PARFOR
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CAPES/SEDUC
|
Professores em exercício das
escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada.
|
Fonte: Pró-Reitoria de Ensino (PROEN)
e Pró-Reitoria de extensão (PROEX) do IFMA. Quadro elaborado pela autora.
O IFMA possui treze programas que atendem às
mais diferentes classes sociais, a qualidade do ensino se diferencia conforme a
forma de oferta. A realidade expressa de modo pontual no estado do Maranhão,
expõe o modelo em curso de expansão para todos os Institutos Federais. Os
programas focais buscam fundamentalmente atender a jovens e adultos trabalhadores
que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Sob a promessa de
progresso econômico, desenvolvimento local, melhoraria da qualidade de vida,
obtenção de emprego, as ofertas educacionais produzem uma ideologização da
educação que busca obter “o consentimento ativo dos governados” (GRAMSCI, 1995),
com vistas a obter o controle social e ideológico e o abrandamento de conflitos
sociais daqueles mais destituídos de direitos
humanos.
Os programas mapeados no IFMA, em sua maioria presente
em todos os Institutos Federais, revelam a face evidente da barbárie. Vários
programas direcionam-se para grupos de baixa renda, vulneráveis socialmente, em
situação de pobreza extrema e beneficiários da bolsa-família. O PRONATEC é o
mais novo programa desta miríade de ofertas, implicando entre inúmeras outras
questões: no financiamento público da oferta privada de educação profissional
por meio da parceria com o Sistema S e outras organizações privadas;
intensificação, precarização, fragmentação do trabalho, e privatização dos
profissionais da rede federal de ensino, com concessão de bolsas para adicional
de seus salários, desviando o debate sobre a qualidade carreira docente para o
debate da ‘compensação da luta individual no atual cenário de precarização da
carreira docente’.
Esse conjunto de programas que instituem a dualidade
estrutural de novo tipo, compõe, conforme destaca Netto (2010), uma face
contemporânea da barbárie e se expressa exatamente no trato que, nas políticas
sociais nos oito anos do governo Luís Inácio Lula da Silva conferiu à questão
social. Netto (2010) destaca que para o pensamento conservador a questão social
possui características inelimináveis e se torna uma ação moralizadora que no
máximo pode ser objeto de uma intervenção política limitada. Fontes (2012)
chamou estas intervenções políticas limitadas de políticas de alívio por gotejamento.
O avanço do capital internacional no Maranhão
“favorece expansão das políticas de
alívio por gotejamento” (FONTES, 2012), neste conjunto, integra-se a
diversidade de ofertas formativas do IFMA na região dos Carajás, cujas pressões
e conflitos sociais, buscam ser atenuados pela disseminação da política de
conta-gotas.
O governo Luís Inácio Lula da Silva apresenta como
marca do governo a multiplicação de programas que se entrelaçam, estabelecendo
dependência entre si, garantindo com efetividade o controle dos trabalhadores
nas mais variadas frentes de políticas focalizadas (saúde, habitação, renda,
moradia e educação). As políticas focais alastraram-se no âmbito dos Institutos
Federais, conjugando para seu interior o papel de: integração social,
empregabilidade e assistencialismo. As políticas focais e os programas de
qualificação profissional pela via das trajetórias subordinadas induzem o
consenso ativo dos governados, exigência da governabilidade do capital
financeiro.
Os trabalhadores dos Institutos Federais e da rede
federal de modo articulado vivenciam a atual morfologia do trabalho em quadro
cada vez mais complexo e híbrido, aprofundando o quadro precário: pouca
estabilidade, futuro incerto, frágil, débil, substituição do modelo burocrático
pelo modelo gerencial. As relações sociais que pautam as relações de trabalho
são acometidas pela hipertrofia do individualismo, acirramento da competição e
imperativo tecnológico.
O cenário vivido pelos trabalhadores dos Institutos
Federais, pautado na ditadura do paradigma Educação, Ciência, Tecnologia, uma perspectiva
de educação tecnológica que engendra um discurso fantasioso de para uma nova
institucionalidade política que tem como paradigma do trabalho nos Institutos
Federais a plena indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Para
Silveira (2007a, p.49), a concepção de educação em torno da expressão educação tecnológica, a partir de
relações históricas, “revela uma educação atrelada ao desenvolvimento
econômico, em geral, e ao processo de modernização, em particular, do país, de
maneira a atender às bruscas mudanças engendradas pelo modo de produção capitalista,
deste modo a técnica, a ciência e a tecnologia não são tomadas como resultado
do trabalho humano para o consumo coletivo ou como bem social, mas, sim, para a
produção de lucro a serviço do capital”.
A nova institucionalidade política tem como um de seus
principais alvos, os professores, contudo não se pode perder de vista como esta
nova constitucionalidade alcança o trabalho desenvolvido pelos técnicos em
educação. Contudo, é principalmente sobre os professores que recai a tarefa “milagrosa”
de atingir o pacote de metas do MEC para a rede federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica. Assim citamos: meta de expansão de
matrículas nos mais diferentes níveis e modalidades, meta de produção científica,
meta de projetos de extensão, meta de captação de recursos, além da acirrada
cultura competitiva que se instalou na rede entre docentes e técnicos em
educação. No bojo do discurso competitivo está evidenciada a necessidade
urgente de: construirmos boas experiências para divulgá-las em eventos
nacionais, disputar editais para estruturar laboratórios, patentear pesquisas e
avançar na produção em caráter de inovação tecnológica, apresentar as melhores
notas do ENEM, ganhar prêmios em agências de fomento.
Uma das faces perversas da cultura competitiva inclui
ainda a importância de ocuparmos o
ranking dos melhores, ainda que as condições estruturais para organização do
trabalho pedagógico concorram para nos colocarem no mesmo ranking de um amplo
cenário de precarização e intensificação configurada na nova morfologia do
trabalho na rede federal.
Outra face perversa da cultura competitiva refere-se
ao processo de objetificação do trabalho dos profissionais no âmbito da escola, com destaque ao trabalho
docente. Para Mancebo (2010) [...] presenciamos a
convocação irrestrita da subjetividade do trabalhador para o centro dos
processos de trabalho, não raramente com aumento do sofrimento subjetivo,
neutralização da mobilização coletiva e aprofundamento do individualismo. Nas
escolas, é gerada uma "sociedade da urgência", que força o incremento
das tarefas, a instalação de horários atípicos, a aceleração no desempenho das
atividades e que afeta em cheio a produção docente, sua subjetividade e saúde.
A lógica de
educação exposto no âmbito da expansão da educação profissional evidencia que
o mais importante do que formar o trabalhador
é certificá-lo com a marca de excelência federal pautada na Educação, Ciência,
Tecnologia e Cultura. Não importa no processo de expansão que a oferta atenda
às demandas imediatas dos trabalhadores, isto é, que possibilite o acesso ao
conhecimento científico e tecnológico à cultura elaborada historicamente pela
humanidade, tampouco que as ofertas atendam aos Arranjos Produtivos Locais na
lógica concebida no âmbito do trabalho associado das classes mais empobrecidas.
[1] Siglas da coluna parcerias:
Centros de Capacitação Tecnológica do Maranhão
(CETECMAs); Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI); Secretaria de Educação Superior (SESU); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES); Secretaria de Estado de Educação
do Maranhão (SEDUC).
[2] BPC – Benefício de Prestação
Continuada.
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